O
sentimento nem sempre vem puro, entende-se por isso que tudo deve
possuir um estado natural, original e genuíno de como quando as
coisas começam a ser e ainda não se misturaram a outras coisas que
estão a começar ou já haviam começado a ser. E essa pureza,
renitentemente clamada numa súplica ad eternum pela
humanidade; nada mais é do que um percalço que muito mais do que um
óbice regular da vida, torna se ponta aguda de perfuração
lancinante , toque fino de candência de dor que por se transmitir
por canalículo de espessura extremamente mínima se condensa,
concentrando em si toda a dor que uma dor pode doer, essa
concentração revela sua pureza, de dor pura que é por não
misturar-se a mais nada e ser composta daquilo que originariamente é,
apenas dor. Não é cansaço, não é derrota, não é espera eterna,
não é desterro, não é desilusão, não é amor barato não
correspondido, não é faca, não é ferro, não é fogo queimando,
não é mentira quando se acreditava ser verdade, não é
indiferença, não é tristeza, não é desalento, não é ferida,
não é decepção, não é a morte, não é doença, não é
ferimento de bala, não é uma cacetada na cabeça, não é corte,
não é atropelamento, não é pedrada, não é dente podre, não é
traição, não é surra de marido, não é a vida dizendo não, não
é. E a mais pura dor, cristalina em sua pureza de coisa pura passada
em crivo a separar nela aquilo que de sua essência não fazia parte,
aquilo incapaz de acolher sua espessura de dor, em si, límpida,
cristalina sem motivos, substancia em si, fino extrato extra virgem
da mais pura dor.
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
terça-feira, 7 de agosto de 2012
DISCRONIA
Nascera
no futuro, no porvir da massa de segundos, horas e minutos que cortam
cronologicamente o que se chama de tempo, nascera no tempo que ainda
não era; nos segundos ainda não cortados pela lança afiada dos
relógios e encarcerados na prisão hebdomadária dos dias da
semana, da sequencia dos meses e do suceder dos anos. Já era, mas
ainda não sendo. Era o porvir do seu ainda não existir que somente
existia na sucessão do que seria se fosse, sendo que já era, mas
somente na sucessão do que ainda não era.
Inventava-se então como consequência de um passado que nunca houve,
era o produto concreto do que nunca foi mas que ao mesmo tempo era no
que seria o resultado de sua sequência posta sob a forja do tempo.
Amputara o tempo, cortou fora o que dele não lhe interessava.
Subtraiu etapas. Destas só lhe interessou o futuro e decidiu que seu
nascimento somente se daria neste. Resolveu não habitar o presente e
o passado retalhou e engoliu paulatinamente, mas este tinha gosto de
ar, de sopro vazio posto que nele nada havia sido inscrito.
Escolheu ser o que é do que nunca foi, o sendo do que nunca houvera
e o que poderia ter sido do que nunca ocorreu.
E assim
revolucionava, pois as revoluções amam aqueles que ainda não
existem, já existindo.
quinta-feira, 26 de julho de 2012
......
Ah, não
sei nada! Estou repleto de insipiência. Repleto de tudo aquilo que
não preenche espaço algum, que nada diz por nada ter a dizer por
nada saber. Estou repleto daquela falta que inunda a mente de todos
os imbecis, doutores da falta de tato, de gosto, de palato que
pronuncie algo, sou daqueles que querem o mar; infindável ir e vir
de ondas espasmódicas a se espraiar nas vagas do que se chama de
pensamento. Tenho o tino perdido, embiocado não sei onde que nunca
mais o encontrei, e sabe se lá em que biboca ai dentro ele se
enfiou. Perdido no que poderia ser uma seara, daquelas que são
feitas de ideias de plantas férteis, que resplandecem verdejantes
numa espécie de crepúsculo existencial com folhas verdes a
farfalhar se despedindo do dia. Emaranhado em borbotoes de palavras
que se misturam erraticamente por toda parte do que não se sabe o
nome pois estas não se oferecerem para forma dar a este nome que não
se diz, este impulso anonimo que ferve cheio de verve e flui que nem
ressaca oceânica de empuxos e repuxos a querer transbordar os
rincões daquilo que se chama de eu.
Ah, é
um não-sei-que, é um não saber que se sabe que não se sabe, é um
indizível percuciente, inenarrável que se destampa a ribombar em
um fragor ensurdecedor que não se faz ouvir porque não é som , de
algo que diz por não ter dito, é esse cheio vazio a retumbar em
todos os recônditos, em todos os poros do que se é pra depois vir a
ser aquilo que a palavra chama de nada e a gente chama
de..............
terça-feira, 24 de julho de 2012
ERRO DATILOGRÁFICO
Trabalhava em uma repartição, todos os dias sentava-se a postos a
redigir os mais variados documentos; relatórios, protocolos,
memorandos, ofícios, enfim, aquela parafernália que compõe toda
confluência burocrática característica desses ambientes. Um único
detalhe o destacava do restante fazendo que fosse visto com um
certo estranhamento por parte dos seus companheiros de profissão: ao
invés do computador ele se utilizava de uma máquina de escrever.
O
barulho intenso e constante provocado pelo bater das teclas no papel
repercutia por todo o ambiente causando irritação em todos os
presentes que sempre lhe indagavam o porquê da insistência no uso
de instrumento tão arcaico, barulhento e muito pouco pratico aos quais ele
redarguia “ é mais proveitoso”.
O
curioso é que a cada erro cometido, ao invés fazer alguma emenda,
voltar a datilografar em outra folha, ou encobrir o erro com líquido
corretivo; ele arrancava a pequena letrinha inconveniente que
aparecera no lugar errado e colocava em um pequeno caneco que ficava
a seu lado. Assim fazia toda vez que algo era digitado de maneira
indevida; erros de ortografia, um plural indevido, uma crase mal
colocada, todos iam parar no caneco o qual no fim do dia terminava
cheio.
Ao
final do dia repetia um curioso ritual que deixava todos curiosos a
olharem meso que de soslaio para sua execução: pegava a caneca
repleta dos pedacinhos de papel produto de seus erros, colocava um
pouco de água, misturava um pouco e tomava tudo de uma vez só e
após aquele lauto hausto, prorrompia proverbialmente:
“ Que erros deliciosos!.” E ia-se.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
OS SAPATOS
Deparou-se na vitrine com o sapato mais encantador que poderia ter
visto na vida. Ficou fascinada, hipnotizada pelo brilho das pequenas
pedrinhas brilhantes que adornavam os contornos daquele sapato de
bico fino muito alto e de um vermelho candente.
“Preciso tê-los!” . Pensou ela decidida.
__Lamento senhora, infelizmente este único par restante na loja é
de uma numeração menor do que a que a sra calça.
Disse o
vendedor após tentar enfiar em seus pés os tão desejados sapatos.
Mesmo que antes este tenha perguntado o seu número e informado que
não dispunha da numeração referida e esta numa atitude obsedante
insistiu para que os experimentasse.
__Não
tem problema! Retrucou com tenacidade.
__Ficarei
com eles mesmo assim! Concluiu.
E levou
os sapatos.
Ao chegar
em casa, correu para a cozinha pegou a faca mais afiada que tinha e a
custa de muita dor e esforço conseguiu cortar os cinco dedos e cada
pé e ligeiramente calçou os sapatos.
__Ah...Agora
sim! Eu não disse que eles iam me servir? Nossa, cabem como luvas em
meus pés.
E
contemplava-se no espelho, com aquele belo par de sapatos vermelho
incandesceste ornado com pedrinhas brilhantes, enquanto que pelos
cortes nos dedos o sangue jorrava incessantemente. Mas ela não se
importava, afinal de contas se tratavam de sapatos vermelhos e ninguém iria
notar o vermelho do sangue.
domingo, 22 de julho de 2012
O TEMPO
Ao se
olhar no espelho sentiu o toque de algo que se passa ao notar as
linhas em seu rosto, como sulcos que se fundem no solo pelo cravar
constante de pás a marcá-lo com uma tenacidade e obstinação de
quem veio para executar seu trabalho de forma resoluta e objetiva.
Esse algo que passa não se diz diretamente, se pronuncia através
dessas linhas que ao invés de escritas com terna frugalidade, são
fincadas a marretadas na superfície onde ele as registra. O tempo é
ácido, é férreo, impondo sua onipresença repleta de segundos a rasgar a eternidade com sua
inexorabilidade compassada e isócrona. É algoz cronológico da existência,
clamando tudo o que é seu, tudo que por ele passa sem nunca
escapar-lo. Ele é o que sempre resta, pois é o que nunca foi.
segunda-feira, 16 de julho de 2012
ACALANTO
“Descansa
a tua alma na minha e deixa tudo ser como é; torto, inacabado, como
tudo que é humano tem de ser”. Disse ela, num espasmo existencial
que se alongava até que alcançasse o seu outro-- ela quando sendo
um tu-- o seu reverso. Alteridade embrionária a despertar o seu quê
de ser pulsante, percuciente. Abrigava esta outra presença em sua alma como se
esta fosse um ninho acolhedor em sua essência de pequenos
fragmentos-- tecido com um zelo inflamado pelas torrentes
sanguíneas ígneas de uma tenacidade e determinação de músculo
cardíaco--, fragmentos colhidos um a um a formar aquela estrutura uterina,
maternal de um acalanto que alberga toda a candência de um sentir que se sente quando não se é um só.
domingo, 15 de julho de 2012
Furacões
Por
fora era a personificação da placidez, por dentro; mil revoluções
por minuto. Era daquele tipo de torvelinho velado que fica
rodopiando quietinho no seu canto com muito cuidado para que sua
fúria compacta não se esbarre em nada, em nenhum cristal, ou
levante algum poeira alheia. Apenas arrasta tudo que esteja na zona
limítrofe de sua revolução delimitada, furacãozinho cercado,
contido em seu territoriozinho de tempestade que se explode ao mesmo
tempo que se doma.
Era
assim que ela era, odiava por dentro, amava por dentro , dentro de
seu limite de forma, de corpo que se move impulsionado pelo que poe a
vida pra viver. Mas afinal o que é que poe a vida pra viver? O
coração não é. Porque quem é que poe o coração pra bater, pra
pulsar? Quem faz o olho ver, quem é que bota? Será que é cada um
por si só que bota? Quem bota a perna pra andar? A menta pra pensar?
E quem é que bota quem bota pra botar? Essas interrogações que
giram na cabeça, são os redemoinhos que revolucionam dentro de sua
cabeça no seu furor constante, avassalador e ao mesmo tempo
contido, d vento contido em arcabouço de cranio, de corpo de
pessoinha qualquer que fica retendo furacões dentro de si, que os
privam de serem o que são; livres, cegos de fúria levando tudo o
que vem pela frente enfim, furacões.
Ela
era um gaiola de furacões, os detinha os continha no seu corpo
gradeado de aço feito d todos os medos derretidos e fundidos que
formavam suas barras rígidas, soldadas qu juntas criavam este corpo
de jaula, calabouço de revoluções que aconteciam sem cessar que
não davam trégua de pararem de ser, de existirem, de tentar
arrebentar e romper tudo que as contém. De vez em quando la abria a
boca e la d dentro aqueles redemoinhinhos viam aquele alçapão se
abrir formando um luz la em cima que descia por aquela abertura que
mais parecia a tampa que haviam colocado no poço o qual eles jaziam
no fundo. Ao s apercebem dessa oportunidade, dessa centelha de
liberdade que se abira acima deles, iniciavam uma marcha em disparada
na direção desta luz para podem ser livres e sair mundo afora
rodopiando por onde quiserem sem nada que os impeça de serem o que
são. Estes instantes ocorriam no momento em que ela estava prestes a
soltar um palavrão, uma verdade, um grito de fúria, de ódio, de
raiva, de alegria, espanto mas que por algum motivo ela deixava de
soltar e continha todo esse impulso fechando a boca e fazendo com que
todo os redemoinhozinhos em disparada se chocassem uns aos outros em
sua boca ate que fossem engolidos de volta e voltassem pro seu fundo
de poço escuro e úmido. Era gaiola, jaula, calabouço. Isso
dependia da natureza do vento, de sua força e do estrago que ele
podia causar, dai se tirava o grau de contenção das revoluções
internas que nela aconteciam.
Às
vezes quando estava quieta , seus redemoinhos, tornado, furacões e
até tufões( sim, ela também abrigava tufões) se debatiam com
tanta força dentro dela no desejo de sair que do nada vinha aquela
vontade de chorar sem saber o motivo mais ai então ela segurava o
choro, as lágrimas que estriam prestes a brotar a inundavam por
dentro fazendo encher o poço que abrigava os pobres redemoinhozinhos
que tentavam volta e meia escapar sem sucesso. Tudo por dentro
explodia, uivava de tanta verve querendo verter-se, mas tudo por fora
era calmo, quase morto, monótono, embotado. Era de uma languidez
rançosa, ressaibos de lesma que ficam no caminho traçado que fazem
lembrar de tudo que poderia ter sido se a potencia por dentro fosse.
Se soltasse. Mas também se se solta, se se sai, se se rompe oque
dela haveria de ser? Ficaria oca, vazia despreenchida de todos esses
ventos que lhe inflam, que lhe dão corpo, que a deixam de pé. Iria
se tornar vazia, um balão murcho sem forma, sem mais serventia.
Jaula vazia.
Talvez
tivesse que ser assim mesmo, vai ver ela era um espécie de salvadora
do mundo ao salvá-lo diariamente de um catástrofe por não deixar
que essa fúria da natureza contida em si se espalhasse acabando com
tudo que encontrasse pela frente devastando o planeta inteiro. Então
neste ato diário de heroísmo devastava-se por dentro para que o
mundo não fosse devastado.
No seu
caminhar solitário pelas ruas a se esbarrar nas pessoas, passava
despercebida, mal sabendo quem em nela se esbarrava que esbarrara-se na
sua própria salvação, e cada um a carregar seu próprio apocalipse no bolso.
Enclave
Enclave
Aquele
espanto inopinado de habitar a pele em que se habita e que sai como
fragor dos poros, um brado exsudado do imo intransponível de se ser
o que se é, quando a única camada inexorável é a da pele, essa
inquietação que é própria de quem é enclave do mundo, esse
estranhamento insular de ilha de carne e espírito que se poe no
mundo direcionada exclusivamente por uma incerteza que faz parte da
vertigem transfigurada em uma espécie de apanágio existencial que
salta aos olhos desde o momento em que se nasce, sabe? Eu sei. Mas
que caralho de nome tem isso?
Poeirazinha
A poeirazinha
Estava
assentada, e então lhe puseram um nome, lhe deram endereço,
família, profissão, marido, filhos, enfim; fizeram dela gente. Mas
disso ela nada sabia, apenas deixava tudo tomar seu rumo como uma
partícula ou saco plástico açoitados pelo vento que os conduz
randomicamente na sua liberdade espacial de transito, pois o vento é
livre; não se predetermina, ninguém o predetermina. Assim também
com ela se ocorria, deixava-se levar, pela vida, por alguém, alguma
coisa. Deixava-se. Deixava-se sempre, era sempre conduzida, carregada
por uma maré não influenciada pela lua, pois esta era sua maré,
conduzia-se por um não-sei-que que não podia chamar de vida, nem de
vontade, desejo, anelo ou algo assim. Mas era conduzida. Criara seus
filhos, cuidava do marido, da casa, da comida, do cachorro movida por
um sopro sem nome que não era alma, não era espírito era mais um
não-sei-que. Estava sempre pronta, sempre solícita, disposta,
contida em rua retidão de se deixar, de se deixar lhe porem as
coisas; nome, endereço, roupa, sapato, grampo no cabelo, batom,
pênis enfim; nela se punham coisas pois deixava-se. Arranjaram-lhe
uma vida, um destino, com número de registro e data de nascimento,
pois a tinham ulteriormente a tudo isso posto pra nascer, fora posta
pra nascer, era sempre posta, nunca pôs nada e mesmo quando punha
foi porque fora posta a por. Deram-lhe aniversário, feriados
nacionais, pátria. Lhe puseram numa pátria, no seu documento
constava o nome de uma cidade, pois é, ela de fato tinha endereço
no qual residia, mas morar já diz de outra coisa que para ela não
fora posta, assim como pensar, pois tudo o que pensava lhe era posto
na cabeça como todo o resto, como quando o seu marido a penetrava.
Ela era
daquelas pessoas lançadas, não como pessoas que se lançam às
coisas, mas pessoas lançadas. Estava sendo e não era, vivia sua
vidinha de projétil arremessado, míssil teleguiado já é demais,
afinal ela era só aquilozinho que se deixava por-se. Saco plastico
flanante, é muito. Era poeirazinha daquelas que se acumulam no móvel
de casa por falta de zelo na qual as crianças se divertem escrevendo
seus nomes com os dedos. Seu destino parecia ser escrito assim, por
brincadeira de pontas de dedos na poeirazinha que era. Ai quando não
se quer a poeirazinha por perto, ou a se varre pra debaixo do tapete
ou a se espanta com um espanador que a transporta e faz pousar em
outra superfície que se configura em uma especie de molde ao qual
ela se deixa assentar novamente e devotamente cumprindo seu papel de
poeirazinha. Se quiser ser mais avassalador pode-se usar um
aspirador, sugando-a por completo a lançando numa espécie de
masmorra ou limbo (como queira) lá dentro do aspirador, lançada
então neste hermetismo ela se contenta reclusa com sua condição de
pó que é, de detrito indesejável e espera o compartimento se
encher até que lhe esvaziem e a libertem numa lata de lixo, num
lixão,num aterro. Se estiver com a sorte de passar um vento no
momento do despojo ela pode pairar, livre sem destino, pois já não
tem mais endereço, nome, marido, casa, filhos, cachorro,
aniversário, batom na boca, sapato no pé, pênis na vagina, voltou
a ser a poeirazinha que sempre fora e nunca soubera, tudo isso apenas
fora-lhe prescrito enquanto estava assentada, descansando em
superfície tomada como existência ditada por dedos a passar seu
tempo escrevendo na poeirazinha, ai foi pega de surpresa sendo, vejam
só! Tomando existência! Logo ela a poeirazinha.... É de se rir.
O CAOS
Caos
Era
feita de caos, daquele caos sagrado que funde tudo que é visceral e
mundano, que perpassa toda a existência a procura de uma ordem que
seja a da imperfeição organizada, a da sujeira límpida por ser
honesta em sua podridão. E assim tudo era sagrado, do esgoto à
hóstia. Dessa forma, ela também seria sagrada. O estampido que
das batidas do seu coração saia de forma fragorosa retumbava a sua
sacralidade de não saber se encontrar, de estar perdida dentro de si
mesma, de não saber em qual recôndito, qual compartimento dentro de
si se perdeu.
Estava
esgotada, incerta de si mesma, perdida em um palavrório inesgotável
que usava para traduzir sua indefinição em palavras. Absorta numa
espécie de bruma, de delírio vertiginal que fazia que todo o
preenchimento fosse vago, vazio em significado, sem importância.
Era o
caos, e o caos era a regra, a ordem da incerteza rutilante que
crispava a cavidade do que ela chamava de existência. Ela amava o
caos. O caos a fazia ser, graças a ele ela era, se reconhecia como
presença que o habita e reconhece. E por amar o caos amava a vida,
tudo era sublimação, tudo era ardência pulsante que dizia do
eterno.,do estertor que brota daquilo que ferve por dentro e que quer
gritar de tão simples que é mas que se verte em algaravia quando
dele se tentam apreender algo como agora acontece. É um ninho de
palavras inertes, inócuas, rasas quando de trata de tocar o ardor do
caos que lateja por dentro.
Ela era
dessa espécie de gente, pedacinho de caos ambulante que vaga pela
vida a procura de um abrigo, um espaçozinho pra se acomodar e se
autoincomodar, de ser caos quietinha no seu canto, em paz. Ser caos e
paz atados por laços de veias que são canais da explosão que nunca
cessa em todos os corpos desde o início dos tempos mesmo depois de
inertes, posto que estes no final sempre se transmutam para atuarem
de maneiras diferentes das anteriores. Se sentia viva por ser caos,
mesmo que não a amassem se sentia amada, pois era o amor do caos.
O caos
é a ordem em si, sem ele não há troca não há gênese, fusão,
ignição, atrito, fluxo, impulso, força, potência. Não há grito,
não há voz, não há cópula, não há carne, nada nasce, nada
cresce, pois dele tudo sai, tudo segue, tudo é. E é sagrado porque
é. E Ela é.
segunda-feira, 9 de julho de 2012
O PAPEL
O PAPEL
Deparava-se com o papel. Branco, vasto, imenso em sua pureza de
superfície lisa e vazia que se dá de bom grado e livremente para
que nele se lancem tudo o que for tinta, palavra, palavra que vira
tinta como que urdida no papel, atada. A mescla do escuro no claro. O
escuro que vira buraco na planície branca da vastidão de uma terra
de ninguém que se deixa colonizar.
Colonizado pela palavra que nele se imprime, o papel se torna humilde
servo de tudo aquilo que pode ser circunscrito nos domínios do
alfabeto. O papel é passivo, acolhe de bom grado a palavra que nele
vai habitando gradualmente ou de forma brusca sob a força de uma
máquina de imprensa.
O
papel sofre calado, resignado em sua natureza de território invadido
por palavras que dele tomam posse sem prévia anuência, às palavra
pouco importa o que o papel possa sentir; aliás elas nem se dão
conta de que este sente, aliás nem a gente se dá conta de que este
sente.
Sempre
fora renegado a segundo plano ao papel de simples suporte,
sustentáculo de palavras, mídia. Sempre o que fica atrás das
palavras a segundo plano, coadjuvante irreconhecido, renegado a sua
imperceptibilidade de folha que se folheia por conter as suas
colonizadoras, suas soberanas, tiranas desse pobre incauto. As
palavras
O
papel não reivindica, não grita, não diz, não expressa posto que
não é palavra: é o mero receptáculo destas.
Da
tinta que o mancha, invade e macula-o em sua pureza de ser que é e
não se diz, mas que nele as palavras se dizem, “se” contam,
“se” escrevem, “se” choram, “se” sorriem, “se”
berram, “se” vomitam, se nada(m). Enfim, se tornam palavras.
Pois
há aquelas que se nadam no papel, que reconhecem a potencia de seu
caráter de vazio que diz tudo enquanto nada diz por conter a
possibilidade de tudo que se pode dizer, mas que diz muito mais
porque ele não se diz, pois ele diz do que não pode ser dito
enquanto nada diz, o que é muito maior, mais profundo e mais vasto
que tudo aquilo que se pode dizer, pois dizer é sempre um redução,
é filtro, é metáfora, roupagem, é roupa que se veste no
intangível , no inenarrável, no infinito para que deles se possa
ter a ideia mais reduzida possível, que é a única possível.
Dizer
sempre é um redução de tudo aquilo que é. E quem nada no papel
compreendeu sua eloquência muda que de tudo diz porque nada diz,
apenas é. E sendo dá-se a entender a quem queira, àqueles que
nadam no papel, que ao o encararem o miram fixo, perplexos,
anestesiados, hipnotizados pelo seu poder oceânico que tem a foça
de atração de uma onda de ressaca pela qual são tragados e nadam,
nadam em direção a um zênite imaginário por traz do qual tudo é
e pode ser mais do que qualquer palavra alguma jamais poderá dizer.
Josué
Murilo
Salvador, 09 de julho de 2012
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