quinta-feira, 3 de março de 2011

Mitágoras e a joaninha

  Mitágoras estava. Estava em algum lugar quando se deparou com uma joaninha. Naquele instante uma reveladora espécie de certeza  tomou conta do que possivelmente seria sua mente na forma de uma afirmação
         "TODO O COSMOS É PRODUTO DA IMAGINAÇÃO DESTA JOANINHA."
  Ele é completamente tomado por essa idéia que o  paralisou em um daqueles instantes que duram até menos de um segundo mas que contém a totalidade de todas as suas certezas abaladas neste microtinstante de tempo no qual perspectiva e a possibilidade dele ser produto da imaginação de um inseto que por ser portador de um aparato racional era o suposto criador de todas as coisas.
  Em seguida outro pensamento ainda mais desconcertante  que insistia em se afirmar como certeza em sua suposta mente se revelou:
   " Na verdade, TODO O COSMOS É SOMENTE A POSSIBILIDADE DA IMAGINAÇÃO DESSA JOANINHA."
 Ou seja.
 O cosmos inteiro é produto do que poderia ser a imaginação daquela joaninha se a ela fosse dada a possibilidade de pensar. Tudo então estava resumido à possibilidade do que poderia ser a imaginação dessa joaninha a respeito do cosmos. Tudo era a possibilidade do que poderia ser,se fosse.
  Então o cosmos é o que seria, se fosse possível ele ser se o que uma joaninha pudesse pensar como ele seria.
  O cosmos não é. Ele é o que não é. Ele existe existe no não-ser.
  Pois se a idéia de que ele poderia existir na mente de uma joaninha existe, (só que como de fato a joaninha não pensa, ele não existe), então ele existe no seu contrário, na possibilidade oposta do seu não-ser que é o ser. Pensou Mitágoras.
  " Eu existo apenas como possibilidade!? Existo apenas preso dentro dos limites dessa possibilidade!? Eu sou apenas uma possibilidade!?!?"
  E Mitágoras ficou atônito.
  Resolveu se deslocar do lugar onde se encontrava e caminhar, ver o mundo, mundo esse que era apenas uma possibilidade de imaginação de uma joaninha se a esta fosse possível conceber algum tipo de pensamento.
  E ele pára.
  "Bom, se nesta simples joaninha está contida a provável possibilidade da existência de tudo, é melhor eu tomar conta dela."  Retorna a onde estava acolhe a joaninha em suas mãos e a observa:
  E ao observá-la uma espécie de voz afirmativa ecoa em sua cabeça com uma sentença atordoante: " TODO O COSMOS, O UNIVERSO COM SUAS GALÁXIAS, SISTEMAS, ESTRELAS, CORPOS, PLANETAS ESTÃO CONTIDOS EM UM ÚNICO ELÉTRON DE UM ÁTOMO QUE SE ENCONTRA NA PINTINHA PRETA DA CARAPAÇA VERMELHA DA JOANINHA."

  Mitágoras se sente mal, se sente sufocado, apertado, abafado, hermético.

" Quer dizer que tudo se resume a isso!?"
  Se sente impotente e então ri. Ri de toda prepotência do ser humano, que se julga potente, deus, semi-deus quando não passa de uma possibilidade de existência contida numa fração de um elétron contido num átomo localizado numa pintinha da parte esquerda da carapaça vermelha de uma joaninha.

 "Coitados! Mal sabém! Huahuhauahuaha!"

  E chora, chora porque ele sabe.

 De repente ele se dá conta de que o universo é negro porque negra é a pinta da joaninha na qual está o elétron que contém toda a existência na sua possibilidade de ser.

  E Mitágoras se pergunta.

  "Mas como eu posso ser apenas uma possibilidade sea idéia de que eu sou mera possibilidade me vem através de bombásticas certezas?"

 E agora ele mão sabe. Não sabe por que ele é mera possibilidade e também não sabe se ele se saber como possibilidade é uma certeza.
 O poder ser ou não ser, sendo. Dentro da possibilidade de ser ou não ser, é a única possibilidade de existência de Mitágoras. Ou seja, uma existência que pode ser ou não ser, mas que é por já ser possível ser ou não ser. Sendo possibilidade.

"Estou preso! Preso!! Não tenho escolha!!! Não posso deixar de ser!! Pois na realidade eu não sou!!! Não posso deixar de existir pois eu nunca existi de fato!!! Sou apenas a possibilidade da minha existência pelo fato de eu não existir de fato!!!"

  " Estou perdido. Perdido no ser de meu não-ser! Existo na minha não-existência!"

"Socorro!!"

 E assim se desespera Mitágoras.

" Não posso existir! Nem deixar de Existir!"

E essa constatação faz com que um grande pesar invada tudo que ele pode sentir em um momento intenso e agudo de angústia.
 Mas a angústia passa. E Mitágoras se conforma, se conforma com sua condição de ser pelo fato de não ser.
 Estende seu dedo à joaninha e esta nele sobe. Sorri para seu insetinho-possibilidade-cósmica e respira fundo.
 " E de agora em diante, como agir?"

Pondera e pondera...
E mais uma vez não sabe.
 Mas então em um estalo ele se da conta que aquele momento com a joaninha não passava de mais um dos seus devaneios filosóficos que põe tudo à prova e que tentam abalar as estruturas do seu ser.
 E assim dá um piparote com o dedo na joaninha e esta alça voo. E tudo volta a ser como antes no bom e ordinário mundo de Mitágoras.
 Enquanto isso, numa calçada a joaninha caminha com suas patinhas pequenas e ligeiras o seu passo rápido e curto de sempre a examinar os milímetros do que Mitágoras se acostumara a chamar de mundo. Ela caminha em direção a grama, ao verde que pra ela nem é cor e sim algo que representa o que podemos chamar de fonte de manutenção da vida; só que na direção oposta um garotinha passa também frenética em seu passinho apressado e frenético em direção ao que pra ela se chama grama e da cor verde e sem perceber pisa e esmaga a pobre joaninha.

 ESCURIDÃO TOTAL

E no outro lado da cidade, os olhos de Mitágoras também escurecem.

Nada mais existe, nem mais poderia existir. Pois agora o próprio existir deixou de existir.