O PAPEL
Deparava-se com o papel. Branco, vasto, imenso em sua pureza de
superfície lisa e vazia que se dá de bom grado e livremente para
que nele se lancem tudo o que for tinta, palavra, palavra que vira
tinta como que urdida no papel, atada. A mescla do escuro no claro. O
escuro que vira buraco na planície branca da vastidão de uma terra
de ninguém que se deixa colonizar.
Colonizado pela palavra que nele se imprime, o papel se torna humilde
servo de tudo aquilo que pode ser circunscrito nos domínios do
alfabeto. O papel é passivo, acolhe de bom grado a palavra que nele
vai habitando gradualmente ou de forma brusca sob a força de uma
máquina de imprensa.
O
papel sofre calado, resignado em sua natureza de território invadido
por palavras que dele tomam posse sem prévia anuência, às palavra
pouco importa o que o papel possa sentir; aliás elas nem se dão
conta de que este sente, aliás nem a gente se dá conta de que este
sente.
Sempre
fora renegado a segundo plano ao papel de simples suporte,
sustentáculo de palavras, mídia. Sempre o que fica atrás das
palavras a segundo plano, coadjuvante irreconhecido, renegado a sua
imperceptibilidade de folha que se folheia por conter as suas
colonizadoras, suas soberanas, tiranas desse pobre incauto. As
palavras
O
papel não reivindica, não grita, não diz, não expressa posto que
não é palavra: é o mero receptáculo destas.
Da
tinta que o mancha, invade e macula-o em sua pureza de ser que é e
não se diz, mas que nele as palavras se dizem, “se” contam,
“se” escrevem, “se” choram, “se” sorriem, “se”
berram, “se” vomitam, se nada(m). Enfim, se tornam palavras.
Pois
há aquelas que se nadam no papel, que reconhecem a potencia de seu
caráter de vazio que diz tudo enquanto nada diz por conter a
possibilidade de tudo que se pode dizer, mas que diz muito mais
porque ele não se diz, pois ele diz do que não pode ser dito
enquanto nada diz, o que é muito maior, mais profundo e mais vasto
que tudo aquilo que se pode dizer, pois dizer é sempre um redução,
é filtro, é metáfora, roupagem, é roupa que se veste no
intangível , no inenarrável, no infinito para que deles se possa
ter a ideia mais reduzida possível, que é a única possível.
Dizer
sempre é um redução de tudo aquilo que é. E quem nada no papel
compreendeu sua eloquência muda que de tudo diz porque nada diz,
apenas é. E sendo dá-se a entender a quem queira, àqueles que
nadam no papel, que ao o encararem o miram fixo, perplexos,
anestesiados, hipnotizados pelo seu poder oceânico que tem a foça
de atração de uma onda de ressaca pela qual são tragados e nadam,
nadam em direção a um zênite imaginário por traz do qual tudo é
e pode ser mais do que qualquer palavra alguma jamais poderá dizer.
Josué
Murilo
Salvador, 09 de julho de 2012
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