segunda-feira, 9 de julho de 2012

O PAPEL



O PAPEL


Deparava-se com o papel. Branco, vasto, imenso em sua pureza de superfície lisa e vazia que se dá de bom grado e livremente para que nele se lancem tudo o que for tinta, palavra, palavra que vira tinta como que urdida no papel, atada. A mescla do escuro no claro. O escuro que vira buraco na planície branca da vastidão de uma terra de ninguém que se deixa colonizar.
Colonizado pela palavra que nele se imprime, o papel se torna humilde servo de tudo aquilo que pode ser circunscrito nos domínios do alfabeto. O papel é passivo, acolhe de bom grado a palavra que nele vai habitando gradualmente ou de forma brusca sob a força de uma máquina de imprensa.

O papel sofre calado, resignado em sua natureza de território invadido por palavras que dele tomam posse sem prévia anuência, às palavra pouco importa o que o papel possa sentir; aliás elas nem se dão conta de que este sente, aliás nem a gente se dá conta de que este sente.

Sempre fora renegado a segundo plano ao papel de simples suporte, sustentáculo de palavras, mídia. Sempre o que fica atrás das palavras a segundo plano, coadjuvante irreconhecido, renegado a sua imperceptibilidade de folha que se folheia por conter as suas colonizadoras, suas soberanas, tiranas desse pobre incauto. As palavras
O papel não reivindica, não grita, não diz, não expressa posto que não é palavra: é o mero receptáculo destas.

Da tinta que o mancha, invade e macula-o em sua pureza de ser que é e não se diz, mas que nele as palavras se dizem, “se” contam, “se” escrevem, “se” choram, “se” sorriem, “se” berram, “se” vomitam, se nada(m). Enfim, se tornam palavras.

Pois há aquelas que se nadam no papel, que reconhecem a potencia de seu caráter de vazio que diz tudo enquanto nada diz por conter a possibilidade de tudo que se pode dizer, mas que diz muito mais porque ele não se diz, pois ele diz do que não pode ser dito enquanto nada diz, o que é muito maior, mais profundo e mais vasto que tudo aquilo que se pode dizer, pois dizer é sempre um redução, é filtro, é metáfora, roupagem, é roupa que se veste no intangível , no inenarrável, no infinito para que deles se possa ter a ideia mais reduzida possível, que é a única possível.
Dizer sempre é um redução de tudo aquilo que é. E quem nada no papel compreendeu sua eloquência muda que de tudo diz porque nada diz, apenas é. E sendo dá-se a entender a quem queira, àqueles que nadam no papel, que ao o encararem o miram fixo, perplexos, anestesiados, hipnotizados pelo seu poder oceânico que tem a foça de atração de uma onda de ressaca pela qual são tragados e nadam, nadam em direção a um zênite imaginário por traz do qual tudo é e pode ser mais do que qualquer palavra alguma jamais poderá dizer.



Josué Murilo


Salvador, 09 de julho de 2012

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